HITLER e STÁLIN ? Eles não eram ateus?
Foram, por qualquer padrão, homens espetacularmente
malévolos. E a pergunta aparece sempre em debates, palestras sobre a questão da
religião. Ela é feita em um tom truculento, carregada de indignação por duas
suposições:
1) Stálin
e Hitler eram ateus, mas
2) eles fizeram atos terríveis “porque” eram ateus.
A suposição 1 é verdadeira para Stálin e duvidosa para
Hitler.
Mas a suposição 1 é
irrelevante, porque a suposição 2 é falsa. Ela é certamente ilógica se se
acreditar que derive da 1.
Mesmo que admitamos que Hitler e Stálin tinham em comum o
ateísmo, eles também tinham bigodes em comum, assim como Saddam Hussein. E DAÍ?
A pergunta interessante não é de seres humanos específicos e
maus (ou bons) eram religiosos ou eram ateus. Não estamos nos dedicando a
contabilizar os maus e elaborar duas listas rivais de maldade. O FATO DE
QUE as fivelas dos cintos dos nazistas
continham a inscrição “Got mit uns”
(Deus conosco) não prova nada, pelo
menos não sem uma dose muito maior de discussão.
O QUE INTERESSA não é
se Hitler e Stálin eram ateus, mas se o ateísmo “influencia” sistematicamente
as pessoas a fazer maldades. Não existe a menor evidência de que o faça.
Parece não haver dúvida de que STÁLIN realmente era ateu. Ele
estudou num seminário ortodoxo, e sua mãe jamais superou a decepção de ele não
ter se tornado padre, como ela pretendia, fato que divertia bastante Stálin.
Talvez por causa do treinamento para o sacerdócio, o Stálin maduro foi muito
duto com a Igreja Ortodoxa Russa, e com o cristianismo e a religião em geral. Mas não há
evidência de que seu ateísmo tenha motivado sua brutalidade. Seu treinamento
religioso provavelmente também não a motivou, a menos que tenha sido por tê-lo
ensinando a reverenciar a fé absolutista, o autoritarismo e a crença de que os
fins justificam os meios.
A LENDA DE HITLER ERA ATEU vem sendo assiduamente cultivada,
de forma que muita gente acredita nela
sem questionar, e é desfilada de modo desafiador por apologistas carolas e
crentaiada da religião.
A VERDADE SOBRE A QUESTÃO
está bem longe de ser clara.
Hitler nasceu numa família católica, e freqüentou escolas e igrejas
católicas quando era criança. É óbvio que isso não é significativo por siso.
Ele poderia facilmente ter abandonado a religião, como Stálin abandonou a
Igreja Ortodoxa Russa quando saiu do seminário Teológico de Tíflis. MAS Hitler nunca renunciou oficialmente ao
catolicismo, e existem indicações ao longo da vida dele de que tenha
permanecido religioso. Se não católico, ele parece ter ficado com a crença em
algum tipo de providência divina. Por
exemplo, diz em Mein Kampf
que, quando soube da declaração da notícia da declaração da Primeira Guerra
Mundial, “caí de joelhos e agradeci aos céus com todo o meu coração pela
generosidade de me permitir viver essa época”. Mas isso foi em 1914, quando ele
tinha apenas 25 anos. Talvez tenha mudado depois?
Em 1920, quando Hitler tinha 31 anos, seu assessor Rudolf
Hess, que depois seria vice-führer, escreveu numa carta ao primeiro ministro da
Baviera: Conheço Herr Hitler muito bem, e sou muito próximo dele. Ele tem um
caráter de uma honradez rara, cheio de
uma bondade profunda, e é religioso, um bom católico”. É claro que se pode alegar que, Hess estava tão redondamente enganado quanto
ao “caráter honrado” e à “profunda bondade”, talvez ele estivesse enganado
também sobre o “bom católico”!
É difícil descrever
como um “bom” qualquer coisa, o que me faz lembrar do argumento mais
ousado e engraçado que já ouvi a favor da afirmação de que Hitler tinha que ser
ateu. Numa paráfrase de várias fontes, Hitler era um homem mau, e o
cristianismo ensina o bem, portanto Hitler não pode ter sido cristão!
A declaração de Goering sobre Hitler, de que “só um católico
poderia unir a Alemanha”, deve, imagino,
ter querido dizer alguém que foi criado como católico, e não um católico
fervoroso.
Num discurso em Berlim em 1933, Hitler disse:
“Estávamos convencidos de que o povo precisa e requer fé. Assumimos
portanto a luta contra o movimento ateísta, e não apenas com umas poucas
declarações teóricas: nós os exterminamos. Isso pode indicar apenas que, como
tantas outras pessoas, Hitler acreditava na crença. Mas, já em 1941, ele disse
a seu assistente, o general Gerhard Engel: “Permanecerei para sempre católico”.
Mesmo que ele não tenha continuado a ser um cristão de fé
sincera, Hitler teria que ter sido mesmo muito diferente para não ter sido
influenciado pela longa tradição cristã de chamar os judeus de assassinos de
Cristo. Num discurso em Munique, em 1923, H. Gitler disse:
”A primeira coisa a fazer é resgatar (a Alemanha) do judeu, que está arruinando nosso país(...) Queremos evitar que nossa Alemanha sofra, como Aquele sofreu, da morte na Cruz”.
”A primeira coisa a fazer é resgatar (a Alemanha) do judeu, que está arruinando nosso país(...) Queremos evitar que nossa Alemanha sofra, como Aquele sofreu, da morte na Cruz”.
O ódio cristão pelos judeus não é (ou foi) só uma tradição
católica. Martinho Lutero foi um anti-semita virulento. Na Dieta de Worms, ele
disse que “todos os judeus devem ser expulsos da Alemanha”. E escreveu um livro
inteiro, Sobre os judeus e suas mentiras, que provavelmente influenciou Hitler.
Lutero descreveu os judeus como uma “raça de víboras”, e o mesmo termo foi
usado por Hitler num discurso notável em 1922, em que ele várias repetiu que
era cristão e tinha um dever para com a obra do seu Senhor e Salvador, e seu
povo. Ele afirmou coisas parecidas ao longo da sua carreira, inclusive em 1938.
É possível que Hitler,tenha, em algum ponto em 1941, passado
por uma desilução com o cristianismo. Ou seria a resposta para essas
contradições simplesmente o fato de que ele era um mentiroso oportunista, em
cujas palavras não se pode confiar, nem para um lado nem para o outro?
Não dá para saber se Hitler tirou o termo “raça de víboras”
de Lutero ou se tirou diretamente de Mateus 3:7, como Lutero deve ter feito.
Citações como essas tem que ser contrabalançadas com outros
registros de conversas particulares, nas quais ele manifestou opiniões
anticristãs virulentas.
Em 1941. “ O pior golpe que já tingiu a humanidade foi a
chegada do cristianismo. O bolchevismo é o filho do cristianismo. Ambos são
invenções dos judeus.. A mentira deliberada na forma de religião foi
introduzida no mundo pelo cristianismo... O mundo da Antigüidade era tão puro,
leve e sereno porque não conhecia duas grandes escórias: a varíola e o
cristianismo.”
É possível argumentar que, ele não era realmente religioso,
mas apenas explorava cinicamente a religiosidade de seu público. Ele pode ter
concordado com Napoleão, que disse: “A religião é ótima para manter as pessoas
comuns caladas”, e com Sêneca: “ A religião é considerada verdade pelas pessoas
comuns, mentira para sábios e útil pelos governantes”.
Vele lembrar que Hitler não executou suas atrocidades sózinho.
Os atos temerosos em si foram executados por soldados e oficiais, sendo que a
maioria certamente era de cristãos. O cristianismo do povo alemão está na base,
aliás, da própria hipótese que estamos discutindo. Uma hipótese para explicar a
suposta falta de sinceridade das afirmações religiosas de Hitler! Ou talvez
Hitler tenha achado que precisasse demonstrar alguma simpatia para com o
cristianismo, senão o seu regime não teria recebido o APOIO QUE RECEBEU DA
IGREJA. Esse apoio foi demonstrado de várias formas, inclusive na insistente
recusa por parte do papa Pio XII de assumir uma postura contra os nazistas.
Coisa que provoca um embaraço considerável a Igreja Católica moderna.
Em qualquer um dos casos, é difícil defender que as maldades
do regime de Hitler tenham sido conseqüência do ateísmo.
Para finalizar. As guerras religiosas são combatidas em nome
da religião, e é terrível pensar que elas são freqüentes na história. E um dos
motivos mais plausível para uma guerra é a fé inabalável de que a religião que
se possui é a única verdadeira, reforçada por um livro sagrado que condene à
morte de forma explícita todos os hereges e seguidores de religiões rivais, e
que prometa de forma explícita que os
soldados de Deus irão direto para o paraíso dos mártires.
Não consigo pensar em nenhuma guerra que tenha sido
combatida em nome do ateísmo. Por outro lado, por que alguém iria à guerra em
nome da ausência de fé?
Forme a sua própria opinião, pesquise e tire suas próprias
conclusões, mas não menospreze a capacidade de investigar história, pensar e
refletir dos irreligiosos, especialmente um pigmeu como eu.
Inspirado por Saramago, Dawkins e Hitchens.
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